Django Livre



Quando Tarantino anuncia um novo filme, ele automaticamente anuncia um novo gênero cinematográfico no qual irá espalhar referências a tudo que sua vida de rato de locadora lhe permitiu adquirir.
Pra chegar a vez do western, era só questão de tempo.
E quando esse momento chegasse, seria um western fora dos padrões, é claro.
Se isso significaria um grande filme ou não, é difícil definir.


O fato inegável é que o que quer que Tarantino fizesse, viria cheio de expectativa, especialmente depois do sucesso de “Bastardos Inglórios” (2009).
E certamente que, independente do que ele fizesse, lá estariam várias das suas características usuais.

Uma delas, a repetição de atores, faz com que ele possa contar com o destaque entre destaques de Bastardos Inglórios.
Christoph Waltz seria aqui o mentor do personagem-título, e o Dr. King Schultz interpretado por ele facilmente exala carisma, e isso ocorre ao natural.
Ainda assim, não há grandes novidades quanto ao personagem. O alemão poliglota especialista em caçar fugitivos é uma descrição que também serviria muito bem ao Coronel Hanz Landa, e isso permanece até mesmo pela obsessão do mesmo pela parte burocrática paralelamente ao ato de caça.

Nada que faça o Dr. Schultz não ser brilhantemente atuado ou divertido, mas ignorar que se trata de praticamente o mesmo personagem, porém em um cenário alternativo seria deixar o lado fanboy falar alto demais quanto à filmografia tarantinesca.
Ainda assim, o que faria toda a diferença era o protagonista Django (Jamie Foxx) e a maneira que a relação mentor e aprendiz se desenvolveria.
Assim, muitos minutos de filme transcorrem com o que o trailer já evidenciava, e o primeiro ato flui sem grandes novidades, especialmente pois há uma sensação de que tudo é fácil demais.

Schultz acaba com a tensão de qualquer possível inimigo com sua excessiva confiança, a busca pelos irmãos Brittle acaba de imediato, e o treinamento de Django é aparentemente algo desnecessário, afinal, não há muito a ensinar ao escravo que mal podia andar, e que miraculosamente ao pegar um revólver é dono de uma precisão ímpar.
Mas tudo bem. Isso é cinema, e temos que nos acostumar com exageros, dizem.
Mesmo assim, há muito do que rir até aí, e muito que se pensar quando os preconceitos da época são evidenciados.


De todo modo, é no segundo ato que o filme enfim vai começar.
A trama clássica de vingança segue alguns desvios de início pra desenvolver a dupla de caçadores de recompensas e justificar o auxílio de Shultz ao agora liberto Django Freeman, mas a seguir se encontra especialmente por entrar em cena um outro nome importantíssimo para a produção.

E desse modo, Leonardo Di Caprio é o vilão Calvin Candie, no momento em que o filme mais precisava de um alguém pra tornar as coisas menos simples. Um vilão excêntrico, é óbvio.
Desde o início, enquanto torce em uma luta entre dois escravos (um dos momentos mais violentos do longa-metragem) ele surge um opositor que agrega mais dinâmica à história que até então girava em torno da amizade de seus dois algozes.
E no embalo, surge o inesperado Samuel L. Jackson, que supera expectativas interpretando o capacho de Calvin Candie, mas que está muito mais ciente da situação, e pronto pra agir do que sua figura pode levar a crer.

A trama rumando para o desconhecido. Era disso que o roteiro precisava, e se até esse momento haviam alguns momentos de humor e estilização, entrecortados por uma falta de timing bastante rara nas obras do cineasta, agora tudo se concentra no resgate da amada do herói, Brunhilda (Kerry Washington).
Enquanto isso, a sociedade escravocrata da época é evidenciada com todas as letras em caixa alta por Tarantino, o que colabora muito pra preencher a sua quase vazia trama.
Então, cada cena de tortura ganha novas dimensões por se tratar do filme de um diretor que manda longe as sutilezas preferindo evidenciar cada detalhe de cada chicotada e agressão verbal sofrida pelos “niggers” (possivelmente a palavra mais repetida ao longo da produção).


E assim, o filme vive dessas qualidades, que não sobrevivem aos bocejos entre uma e outra (e foi possível reparar em bastante gente bocejando, e no riso não contagiando durante a sessão em que assisti, que começava às 14:40), quando os clichês e ausências de reviravoltas interessantes permeiam o andar da carruagem.

É certamente o filme mais simples do diretor, e que ganha novos contornos apenas quando pensamos no contexto histórico, o qual por si só já teria camadas o suficiente sem a necessidade de um cineasta tentando retratá-lo com estilo e homenagens cinéfilas.
Porém, a violência é fator condizente com a proposta de retratar uma época em que a mera presença de um negro em um saloon era motivo de alarde por parte de toda população escandalosa e imbecil.
Vários diálogos, na verdade, são bastante interessantes, e exemplo disso é a conversa durante o jantar em Candieland, no qual Calvin Candie explica seu entender sobre o porquê de os negros não se rebelarem.
Somado a isso, vem uma trilha sonora heterogênea que traz um outro olhar nas cenas em que são utilizadas.
Há eficácia nisso.


O problema é que o novo Tarantino's é irregular do início ao fim.
Na tentativa de emular tudo que ele aprecia no faroeste, fundindo com o blackspoitation, enquanto repete recursos e desenrola um roteiro menos inspirado do que costume, e se rende a histriônicas situações buscando impressionar a plateia com litros de sangue falso e closes bruscos simulando características do cinema dos seus homenageados do western spaghetti, além da presença de Franco Nero, o longa-metragem se perde ligeiramente a cada dez minutos, e sai da estrada de vez no ato final, quando em uma reviravolta desnecessária, torna-se um faroeste pastelão, simplesmente por ser esse um filme bem mais preguiçoso que seus trabalhos anteriores em se tratando de roteiro.
Os acertos se diluem graças à ideia de que é o bastante mostrar a violência do período histórico, e de que basta utilizar o clichê e o humor como se fossem opções espertas, maquiados pra não parecer material cheio de arestas que colaboram pra que um grande filme de 2 horas, tenha se tornado um megalomaníaco e longo filme de 2 horas e 45 minutos.


Eficiente enquanto humor e crítica, ainda que dispersa quando se vê um histérico atropelo de tiroteios e explosões, muitas vezes com um ar caricatural distante da cena anterior, especialmente na etapa final do filme, “Django Livre” é divertido e de fácil envolvimento com os seus personagens, e isso é o bastante pra uma sessão de cinema, ainda que bem menos memorável do que o trabalho do cineasta pareceu no passado.
O final é prova disso, e só lembra que, não houvesse o nome de Quentin Tarantino escrito no cartaz e nos créditos, este mesmo filme, com as mesmas cenas, elenco e duração, não estaria na lista de melhor coisa nenhuma.


Quanto vale:




Django Livre
(Django Unchained)
Direção: Quentin Tarantino
Duração: 165 minutos
Ano de produção: 2012
Gênero: Faroeste / Ação

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