Jornada Alan Moore: Marvelman/Miracleman

Toda grande história tem seu começo. Muito antes de se tornar referência e virar objeto de culto, elas iniciam anônimas e conquistam o público com sua qualidade e/ou inovação, gerando o sentimento de "eu sabia" nos privilegiados que viram tudo surgir. Essa descrição serve tanto para Marvelman quanto para o próprio Alan Moore, que viu sua carreira decolar nessa publicação. Posição que se consolidaria logo depois, com a graphic novel V de Vingança

Inovador como sempre, o mestre barbudo conseguiu ser original trabalhando em um personagem que era uma cópia vagabunda do Capitão Marvel (atual Shazam). Tudo começou em 1954, após a editora inglesa L. Miller & Son Ltd. perder os direitos de publicação do famoso personagem da DC no Reino Unido. O que fazer numa hora dessas? Ctrl C Ctrl V, claro. Assim surgiu Marvelman, xerocão do Capitão Marvel em todos os aspectos possíveis: poderes, ativação deles (troca a palavra mágica SHAZAM por KIMOTA), alter-ego infantil, parceiros mirins e segue o baile.


Eles foram tão cara-de-paus que criaram até uma história em que o Capitão Marvel e a sua família heróica abandonavam o posto de super-heróis e davam lugar para os novos personagens da editora. E assim foi até 1963, quando a série foi cancelada. Em 1980, o editor da Marvel UK Dez Skinn encheu o saco da política de propriedade intelectual da gigante e saiu de lá, levando junto todos os seus amigos artistas que concordavam com ele e fundou a Quality Comunications, buscando mais liberdade criativa.


Em 1981, Skinn compra os direitos autorais do esquecido Marvelman e entrega para um tal de Alan Moore, enquanto ordena para o jovem algo como "te vira aí". E ele se virou. Ao contrário do que seria mais natural, o mestre não fez nenhum reboot nem apagou nada da cronologia. O que ele fez foi inovar no contexto em que as antigas e infantis aventuras aconteceram, buscando um ponto de partida diferenciado para começar as suas histórias.

O personagem principal da história é o repórter Mickey Moran, adulto, casado e barrigudo. Após virar refém de terroristas, ele lembra da palavra mágica KIMOTA, descobrindo que ele é o alter-ego do Marvelman, que aparece no auge da idade e poderes. Junto com isso vêm a lembrança das aventuras do passado, que parecem ridículas ao serem contadas para sua mulher. O primeiro arco se encerra com o encontro entre ele e seu antigo parceiro juvenil Johnny Bates, o Kid Marvelman. A diferença para Moran é que quem envelheceu foi o alter-ego heróico, tomando o lugar da criança e usando seus poderes para se tornar um empresário psicótico e descontrolado. Como o recém-desperto Marvelman poderia enfrentar alguém com anos a mais de experiência e no pleno controle de seus poderes?

O segundo arco trata da verdadeira origem do personagem. Moran descobre que tudo não passou de uma farsa, sendo ele e seus antigos parceiros cobaias de experiências genéticas . Denominado como "Projeto Zaratustra", o objetivo do vilão Dr. Gargunza era conseguir um corpo perfeito. Para isso, aplicou engenharia reversa em uma nave espacial descoberta e se utilizou dos pequenos órfãos, colocando-os em uma máquina que gerava memórias falsas para mantê-los sobre controle. Essas memórias eram, portanto, as antigas aventuras da década de 60.

A história segue com tantas reviravoltas e descobertas que seria crueldade eu continuar a descrição. É impressionante como Alan Moore conseguiu tratar de tantos conceitos e ideias em tão poucas edições (24). É possível observar vários conceitos seu que seriam retomados mais tarde em Watchmen, como a influência de seres super-poderosos na sociedade humana e a consequência dos seus atos. Essas características, somadas com a violência gráfica, colocam a obra como uma das precursoras da futura indústria de quadrinhos adultos, mais tarde traduzida no sucesso da Vertigo .



O que acontece quando um super-ser resolve enlouquecer? Mortes, muitas mortes.

Alan Moore não se conteve e trabalhou muitas outras ideias na obra, como por exemplo totalitarismo, bulliyng, papel da ciência, choque de culturas, viagens estrelares e por aí vai. Com certeza é uma das suas melhores obras, mostrando ao mundo o gênio da nona arte que ainda iria dar muito por falar no futuro. Após a saída do mestre e a mudança do nome do personagem para Miracleman (após a compra do personagem pela editora Eclipse em 1983), um ainda desconhecido Neil Gaiman iria escrever mais um arco. Mas isso é uma outra história...

Recomendado para: Absolutamente todo mundo que não tenha frescura de ler quadrinhos antigos. Infelizmente é outra grande obra dificílima de ser encontrada, mesmo no exterior, graças a guerra nos tribunais por seus direitos autorais. O que nos sobra é "importar" na internet e torcer para que um dia tudo se resolva e ela ganhe um espaço nas nossas prateleiras.


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