Não há como escapar das Três Sombras



A mente de um artista é um mistério. Apesar disso, é possível identificar alguns padrões na criação de novas histórias. Existem os artistas que constroem  uma trama pensando no final. Outros criam uma situação específica e deixam ver onde ela vai levar. E existem um terceiro grupo que prefere se concentrar na "jornada do herói" do que em acontecimentos. Não importa como ela é contada, o que todos os artistas possuem em comum é uma mensagem para passar.

(Ou não. Existe um grupo muito recorrente, composto por exemplo pelo roteirista dos filmes das franquias Resident Evil e Velozes e Furiosos, que prefere pensar em uma meia dúzia de coisas que "ficariam bacanas" e inventam qualquer porcaria parecida com um início e um fim só para encaixar. Tática inclusive empregada por mim na redação de vários vestibulares por aí...)

Cyril Pedrosa é um artista francês que trabalhou com animação nos estúdios Disney, especificamente nos filmes Hércules chato e O Corcunda de Notre-Dame, antes de começar a produzir quadrinhos. O fracasso de vendas e crítica de sua primeira obra quase o fez abandonar a profissão, mas faltava uma história para ser contada ainda. História que chegou até ele há 10 anos atrás, após acompanhar um casal de amigos perder o filho ainda muito novo. Filho esse que tinha, na época, a mesma idade do seu próprio, o que ajudou a deixar marcado esse acontecimento na sua vida.


Três Sombras (2011) é uma fábula em forma de quadrinhos que conta a história do pequeno Joachim e de seus pais Louis e Lise, uma família que mora em uma pequena casa isolada do mundo. A vida deles muda quando três sombras surgem no horizonte, se tornando cada vez mais onipresentes e perseguindo o pequeno menino, levando o pai a conclusão de que elas estão ali para pegá-lo.

É a partir desse ponto que a história brilha. Ao seguir o terceiro grupo comentado na introdução, o autor emociona ao relatar como cada membro da família reage ao destino do seu filho. Lise, após uma viagem à cidade mais próxima em busca de respostas, aceita o acontecimento, preferindo aproveitar os últimos momentos na presença da criança da melhor forma possível. Já Louis nega a fatalidade, preferindo fugir com Joachim para o mais longe possível das sombras. O diálogo que a primeira tem com o segundo é um dos pontos altos da obra, explicitando bem as duas abordagens:

"Eu não vou impedir você de partir, mas não sei se poderei perdoá-lo. Joachim vai nos deixar, eu sei disso, e estou pronta. Você não. Não há dúvidas que resta pouco tempo antes de as sombras o levarem. Esses últimos momentos com meu filho, esse tempo...eu dou a você. Para que possam se separar com o coração tranquilo. Eu vou perder um filho...eu espero que a gente não perca também um ao outro."


Pai e filho embarcam em uma jornada que, apesar de acontecer em um clima alegre digno de um filme da Disney, claramente não vai conseguir deixá-los longe das sombras. Ao passarem por diversas situações e interagirem com outros personagens (e estes com as sombras também), Louis se vê cada vez mais perto do momento confrontar o destino, o que o leva a medidas cada vez mais desesperadas.

A vantagem de se utilizar de metáforas na construção da trama é a possibilidade de conter diversas interpretações. Ou o fato de aparecerem motivos para tirar o filho de longe do convívio familiar não pode ilustrar o comportamento de um pai superprotetor? A beleza da obra de Cyril Pedrosa está na mensagem passada. Muito mais do que o "até onde você iria para salvar seu filho" que está na contracapa, Três Sombras trata de seguir em frente. Ou como prefere o autor, continuar do lado dos vivos.


A arte encaixa com o clima de "filme da Disney" da obra. Apesar de no início causar estranhamento, suas belíssimas pinturas em preto e branco ajudam a contar a história frenética da jornada do pai e do filho. Arte essa que com certeza se perderia em alguma adaptação para animação, o que tiraria grande parte do brilho da obra.

Recomendado para: quem acredita nos quadrinhos como uma forma de arte independente. A Quadrinhos na Cia. está de parabéns ao publicar a obra desse artista francês no país, se mostrando cada vez mais firme no papel de um Oásis no meio do mar de publicações de super-heróis.
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