Brazil - Love conquers all


Certa feita, enquanto eu e o Marcel Ibaldo debatíamos temas relevantes para a raça humana, tais como ficção científica, cyberpunk, clássicos da arte, distopias e um possível parentesco entre o Kevin Bacon e o inventor do baconzitos, eis que lembramos dos filme Jogos da Morte I e II. Em ambos os filmes foi possível compreender um pouco do milagre da edição cinematográfica, já que Bruce Lee, que esticou as canelas em 1973 devido a um AVC, “participou” deles. O primeiro Jogo da Morte foi lançado em 1978 e o segundo veio ao mundo em 1981.

E além de conseguir colocar o Bruce Lee distribuindo socos e chutes mesmo depois de morto, uma engenhosa edição pode também transformar um filme surreal, pessimista e sombrio em algo palatável até mesmo para os fãs de Procurando Nemo. Um exemplo disso é o alucinado filme Brazil, lançado 1985 e dirigido pelo ex-Monty Python Terry Gilliam.


A única versão que eu conhecia do Brazil é a original. Brazil é uma distopia incômoda e, com as devidas proporções, é tão claustrofóbica quanto o 1984 do George Orwell.

No filme de Gilliam, o protagonista vivido por Robert De Niro é um eletricista perseguido pelo governo por ser considerado um subversivo. Tudo isso envolvido por um emaranhado de cenas oníricas e tão estranhas que deixariam muito filme psicodélico por aí parecendo um insípido episódio na novela das seis.

Gilliam entregou o filme pronto para o estúdio em 1985. No entanto, os produtores da Universal, ávidos por dinheiro, tiveram receio de que um longa-metragem como aquele pudesse ser um retumbante fracasso de bilheteria.


É compreensível tal desconfiança por parte dos homens de negócio, já que Brazil é um filme de 142 minutos que, para quem procura algo sessão da tarde, pode ser um convite ao sono ou um verdadeiro motivo para destruir o aparelho de DVD com requintes de crueldade. Além disso, o final não tem nada de feliz.

Diante disso, os produtores se apossaram da obra e decidiram editar do jeito deles, inclusive deixaram o filme mais romantizado e com um final feliz, criando assim a versão chamada Brazil - O amor conquista tudo (sacaram esse subtítulo capaz de constranger até mesmo o mais empedernido roteirista de novela mexicana?).

A nova edição reduziu as cenas de humor negro que criticavam o fascismo e a burocracia, dando ênfase no argumento em que o protagonista almeja conhecer a mulher dos seus sonhos. Se não fosse Terry Gilliam bater o pé contra o estúdio, essa versão mais bunda mole seria a versão que o mundo iria conhecer.


A batalha épica entre o artista e os produtores rendeu até mesmo um livro chamado The Battle of Brazil: Terry Gilliam vs. Universal Pictures in the Fight to the Final Cut.

O Brazil de Gilliam foi, como previram os homens do marketing, um fracasso de bilheteria. No entanto, com o passar dos anos, o longa-metragem angariou fãs e ganhou status de cult. Já o Brazil editado pelo estúdio permaneceu no limbo da obscuridade e foi exibido uma única vez pela TV norte-americana (mas hoje, após o advento da internet, até um imbecil como eu pode adquirir essa versão mais vendável e que possui ínfimos 94 minutos). Além disso, essa versão picotada e mais comercial que a original é um dos extras de uma edição de Brazil em 3 DVDs, lançada no mercado internacional.

Isso tudo apenas reforça o poder que uma montagem possui para transformar um filme. Se no caso do Jogo da Morte II, foi possível reviver Bruce Lee alternando cenas dele de filmes anteriores, em Brazil o exercício da montagem transformou um filme reflexivo e pessimista em uma inofensiva história romântica e com final feliz.

Brazil - Love conquers all - Recomendado para: Percebermos que artista louco é diferente de estúdio louco (por dinheiro).
Previous
Next Post »