Deuses Americanos


No nosso mundo há deuses tão velhos quanto as pirâmides do Egito. No entanto, há também deuses tão modernos quanto um smartphone criado pelo Tony Stark. Diante dessas circunstâncias, longe dos olhos de reles mortais como eu e você, esses antigos e novos deuses estão a ponto de entrarem em conflito. E é sobre essa disputa de poder que está o cerne do romance Deuses Americanos, escrito por Neil Gaiman e lançado em 2001.

É perder tempo tecer aqui longos parágrafos sobre o Neil Gaiman, escritor que ficou famoso (especialmente entre os apreciadores de HQs) quando remodelou o personagem Sandman durante os anos 90. Há até quem diga que Sandman foi um dos personagens que fez leitores que já passaram da puberdade a voltar os olhos para as histórias em quadrinhos. Mas vale destacar também que Gaiman não vive restrito no universo das HQs. Ele também escreve roteiros para TV e já é macaco velho na área da literatura. Nesse caso, Deuses Americanos é certamente um dos seus melhores livros.


A trama desse romance é uma fábula contemporânea, onde deuses antigos das mais variadas mitologias fazem parte da vida moderna sem que nós, meros mortais, nem desconfiemos. É interessante como Gaiman deixa implícita as referências aos deuses nórdicos, africanos e também ao panteão cultuado pelas tribos indígenas que se espalhavam pelo território dos Estados Unidos antes do homem branco chegar aqui trazendo a pólvora.

No início tais divindades (Thor, Loki, Ishtar, Horus, entre outros) chegaram aos Estados Unidos e ainda eram fortes. Porém, o tempo passou e gradativamente elas foram esquecidas como se fossem aqueles móveis velhos que a gente guarda nos porões para serem o lar de cupins e traças. Sendo assim, na era moderna os antigos deuses passaram a ganhar a vida às vezes de forma honesta, ou algumas vezes efetuando trambiques aqui e ali. E para piorar, teriam que competir com o surgimento de outras divindades, como o rádio, a TV, a internet, o dinheiro e por aí vai.


A narrativa do livro gira em torno de Shadow, um ex-presidiário que recebe uma proposta de emprego oferecida por um homem misterioso chamado Wednesday (o leitor mais atento já pode sacar logo de cara de quem se trata).

Após conhecer o seu novo patrão, Shadow entra em uma sequência de eventos que diz respeito a um combate envolvendo deuses novos e antigos. Porém não pense que nas mais de trezentas páginas Gaiman irá descrever conflitos épicos com entidades munidas de espadas flamejantes e raios cósmicos por todos os lados. Nada disso. Nesse caso, o conflito lembra mais um jogo de espionagem e conspirações.

Vale destacar também que nesse romance o texto do Neil Gaiman pode nocautear aqueles que preferem uma escrita mais direta, já que em determinadas passagens o autor interrompe a narrativa para contar uma história que ocorreu lá em mil setecentos e guaraná sem rolha. Contudo, tais interrupções não prejudicam o resultado geral do livro, que possui um final onde (a maioria) das pontas soltas são devidamente amarradas. Inclusive o personagem Shadow pode ser encontrado em mais um conto escrito por Neil Gaiman, lançado anos mais tarde no livro Coisas Frágeis.

E falando em personagens, outro aspecto interessante do romance é que o escritor desenvolveu muito bem Shadow, o seu protagonista. Apesar de uma vida difícil, o cara demonstra serenidade em quase todos os momentos. Inclusive é até curiosa a tranquilidade estoica que ele demonstra ao encarar inúmeras situações que deixariam nervoso até mesmo o mais fleumático monge budista.

Para quem se interessar, lembro também que o romance Os Filhos de Anansi, lançado em 2006, também gira em torno do universo dos Deuses Americanos, todavia há novos personagens.

Em tempo: A emissora de TV HBO já tem planos para uma adaptação desse livro. Sendo assim, seja o que os deuses quiserem.

Deuses Americanos - Recomendado para: Quem não se importa em ver entidades divinas cometendo pecados que até Deus duvida.
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