Trapaça (2013)



Filmes de mutretagem podem ser mesmo muito legais.
Essas tramoias de plot twists imprevisíveis, em que o vilão nem sempre é o que parece ser, e dentre os protagonistas pode ter um traidor se revelando nos finalmentes da historia, e em que existe uma quase honra entre os envolvidos.
Isso é legal.
Mas pra ser genial, seria preciso que esses elementos acima chegassem a ser tão desimportantes diante de alguma outra qualidade, que no final do filme a gente mal lembre deles.


Trapaça”, mais recente trabalho do diretor David O. Russell, traz consigo o peso da pré-impressão.
Todo mundo meio que sabe o que esperar de um filme com título (o original ou o traduzido), cartaz, e material de divulgação que nem os destinados a essa produção.
Porém, dependendo, isso pode ser uma arma favorável.
Afinal, basta ver a nova tresloucada transformação física de Christian Bale no começo do filme pra perceber que esse não vai ser um filme de trambiqueiro espertalhão com pose de James Bond.
A câmera faz questão de destacar a caracterização dele, que lembra a de Tom Cruise em Trovão Tropical, porém com os aspectos extremos que são comuns quando o intérprete do Batman do Nolan precisa mudar fisicamente.


Interpretando Irving Rosenfeld, um figura que se encrencou com o FBI por causa de seus negócios de moral questionável, o ator mais uma vez consegue se desvencilhar de qualquer possível comparação com algum papel icônico de sua carreira.
Durante as duas horas e pouco, ele é o pilantra, e faz o público realmente acreditar nas suas motivações.
Ao lado dele, duas atrizes buscam roubar a cena, e conseguem êxito em várias oportunidades.
Jennifer Lawrence, com a surtada e insuportável Rosalyn Rosenfeld, interpreta sem demonstrar qualquer receio por estar frente a frente com Christian Bale, um ator bem mais experiente que ela.
Nos momentos em que os dois discutem (eles só discutem), e o personagem de Bale demonstra sua fraqueza, que está em grande parte na manipulação exercida por ela, isso fica ainda mais autêntico. Verdadeiro.


Fica ainda mais fácil e incômodo constatar que o trambiqueiro implacável e que aprendeu com a frieza da vida a resolver as coisas com um plano sempre em mente, quando está diante da mulher fica sem respostas ao ouvir os argumentos estapafúrdios dela, que nunca reconhece o erro, e muito pelo contrário inverte a situação pra que a culpa seja dele.
A outra atriz que tem muito espaço pra se destacar é Amy Adams. Ela é a femme fatale do filme, só que óbvio que em um filme distante do que Hollywood curte, o personagem dela também não fica no estereótipo.
Interpretando Sydney Prosser, parceira de Irving, ela vai além das caras de choro, ou gritarias, e consegue tirar da memória a imprestável Lois Lane do igualmente imprestável filme “Homem de Aço”.


Reparem que eu nem falei da trama ainda. E nem pretendo muito, não.
Primeiro porque não tenho o costume de contar demais de filme nenhum. E o segundo, e principal motivo, é que tão elaborados são os personagens no filme do David O. Russell. que nem importaria tanto o plano que vai ser posto em prática.
Mas que ele é legal também, isso é inegável.
Tanto que, assistir “Trapaça”, apenas destacou o quanto “Argo” era apenas um filme correto, e não essa obra-prima tensa angustiante que a mídia pintou pra ser.
Não parecia que as coisas iriam sair errado no filme do Ben Affleck, e isso é primordial.
Agora, pra trupe do Rosenfeld (ou do agente do FBI, que insiste em repetir que é ele quem está no comando), o mais fácil era tudo ferrar a qualquer momento.
Não apenas os egos e desentendimentos entre eles ameaçam isso, mas o próprio roteiro trata de plantar empecilhos a todo momento, pra que a cada vez maior e mais arriscada missão saia por completo dos trilhos e todo mundo tenha muito mais pra se incomodar do que ir pra cadeia.


Importante também é a constatação de que o diretor sabe que não está inventando a roda.
Ele reverencia os clássicos do gênero em que está filmando, e até por isso acaba sendo uma temporada interessante em que seu filme influenciado por Martin Scorcese, compete com "O Lobo de Wall Street" novo filme do próprio Scorcese.
Os estilos são diferentes, e claro, David O. Russell não é qualquer mirim.
Ele é o cineasta que trouxe às telas O Vencedor, e o melhor-sucedido do que qualquer um esperava O Lado Bom da Vida”.
Isso reforça as atuações tão competentes do Cristian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence que novamente trabalham sob as ordens do cara. Mas o mesmo não se pode dizer do Bradley Cooper. Ele, também produtor executivo do filme, fica no cacoete do policial, mesmo que se peça dele estar à altura do sensacional trabalho do protagonista com o qual trava embates verbais recorrentes. Mas é engraçado, até.
Muito melhor é a interpretação do Jeremy Renner, que traduz bem o gente fina prefeito Carmine Polito, completando o quinteto principal.
Além disso, claro, putz... a participação do Robert De Niro é... só assistam.

O que faz o filme andar na corda bamba está muito na tonalidade escolhida pelo diretor.
Há muito que é extremamente caricato no filme, desde as caracterizações, até o modo como o plano é apresentado e esmiuçado.
Ainda assim, fica difícil distinguir o limiar entre estilização e tropeço da direção.
Vezes tais quais uma chegada a uma festa em que os personagens surgem trajados estereotipadamente, envoltos em fumaça, com enquadramento que lembra algum datado videoclipe afundado em cafonice da braba, despertam constrangimento, mas ao mesmo tempo, no roteiro escrito pelo Eric Warren Singer esse excesso quem sabe seja parte do jogo de fingimento e farsas pessoais que maquiam a realidade, levando as pessoas e suas reações a outros extremos.


Todos participam desse tragicômico cenário em que fingem ser, agir, e parecer o que não são, e dentro dessa proposta, de um teatro forjado de aparências, o filme é sim merecedor de sua repercussão, em um desenrolar que pode não parecer tão épico pra alguns, mas que narra bem o que o personagem do Christian Bale resume no que eu parafraseio: é assim que o mundo funciona. Não é preto no branco. É extremamente cinza.


Quanto vale:


Trapaça. Recomendado para: conhecer uma espécie de filme de picaretagem incomum.

Trapaça
(American Hustle)
Direção: David O. Russell
Duração: 138 minutos
Ano de produção: 2013
Gênero: Drama/Policial

Confere NESSE LINK  a crítica de outros indicados ao Oscar 2014.


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