1989 - O ano do morcego


Acredito eu que na virada dos anos 80 para os anos 90, quando algum executivo engravatado do cinemão mainstream levantava a mão em reunião para sugerir a realização de algum filme de super herói, esse indivíduo era sumariamente zoado pelos colegas. “Esse energúmeno só pode estar de trollagem”, imaginavam os colegas do indivíduo.

Tal reação de rejeição aos filmes de super heróis, por parte das cabeças pensantes da indústria cinematográfica, ocorreu basicamente após as experiências traumáticas com os últimos filmes da franquia Superman da era Christopher Reeve, que se tornaram verdadeiras bombas de ruindade e não chegaram nem na ponta da capa do primeiro filme dirigido por Richard Donner. Após o fracasso de crítica e público do Superman IV, falar no Homem de Aço para algum cineasta tinha o mesmo efeito de uma Kryptonita no café da manhã do Clark Kent.

Outro motivo que inviabilizava a realização de algum longa-metragem de super herói foi a malfada tentativa da Cannon Films, que gastou um dinheiro que não tinha para tentar realizar um filme do Homem-Aranha.


Porém um produtor chamado Michael Uslan, desde o início da década de 80, acalentava o sonho de ver no cinema um Batman obscuro em uma Gotham City com cara de pintura gótica. Ou seja, tudo bem distinto do carnavalesco e barrigudo Homem Morcego imortalizado no seriado protagonizado por Adam West na década de 60. É interessante lembrar que, ainda no início dos anos 80, o mesmo Uslan foi um dos produtores do fiasquento filme do Monstro do Pântano, produção tosca dirigida por um Wes Craven ainda com pouco prestígio na grande indústria e ávido para conseguir alguns trocados e assim pagar as suas contas no final do mês.

As chances estavam contra Michael Uslan, que juntamente com os produtores Benjamin Melniker e Jon Peters, passou mais da metade da década de 80 investindo as suas forças para levar às telas um filme do morcegão, mas a imagem de um Batman engraçadinho ainda era forte no inconsciente coletivo, imagem essa que apenas passou a ser alterada a partir de 1986, quando Frank Miller publicou uma das mais importantes histórias em quadrinhos já lançadas: Batman - O Cavaleiro das Trevas


Nesse período, foram também cogitados diretores como Joe Dante (Gremlins) e Ivan Reitman (Os Caça-Fantasmas). Porém, quem ganhou a chance de sentar na cadeira de diretor e comandar um Batman obscuro foi um jovem diretor chamado Tim Burton, sujeitinho quase desconhecido, que tinha em seu portfólio um curta-metragem do João e Maria feito para a Disney, bem como dois filmes dotados de um humor peculiar: Beetlejuice e The Big Adventure Pee Wee.

Com o diretor escolhido, o roteiro foi redigido por Sam Hamm e Warren Shaaren. No roteiro, Bruce Wayne era descrito como um sujeito de forte porte físico, mas Burton, sem medo de ser jogado na fogueira por uma turba enfurecida de fãs e pelas autoridades da Warner, optou pelo comediante Michael Keaton.


Para o papel do vilão Coringa, foi convocado o excelente ator Jack Nicholson, que aceitou o papel após uma série de exigências, tais como um salário bem elevado e até obter uma parcela dos lucros de bilheteria. O valor investido valeu a pena e Nicholson entregou um Coringa antológico. Não por acaso, alguns críticos até hoje afirmam que o filme não deveria ser chamado de Batman, mas sim de Coringa.
E pensar que no papel do palhaço criminoso estavam cogitados dois nomes igualmente fodões: David Bowie e William Defoe.

Para interpretar Vicky Vale, o par romântico do milionário justiceiro Wayne, foi convocada a atriz Kim Basinger, que na época era gostosa e já havia atuado no sucesso Nove e meia semanas de amor.
Ah... Quem estava cotada para ser Vicky Vale era a Sean Young.


Com o time montado e o alinhamento dos astros e planetas devidamente ordenado, Batman estreou no dia 23 de junho de 1989, ano em que o Homem Morcego criado por Bill Finger e Bob Kane completou 50 anos. Foi aí que o departamento de marketing da Warner entrou em ação e transformou Batman em um filme evento, gerando uma comoção no público semelhante ao que Star Wars e Harry Potter exercem entre os fãs.

Valeu a pena Michael Uslan ter acreditado no projeto e ter espantado a maldição de que filmes de super heróis equivalem a rios de dinheiro jogados pela janela. Pois Batman foi um grande sucesso de crítica e de bilheteria e aliado ao tom sombrio e a hipnotizante trilha sonora de Danny Elfman, resgatou os tempos áureos do super herói nos cinemas, algo que não se via desde aquele Superman de 1978.


Ainda que o roteiro altere a gênese original do herói, ao mostrar que Bruce Wayne ficou órfão pelas mãos do Coringa, o filme foi aprovado e caiu nas graças do público. Além disso, gerou mais sequências que, ao longo do tempo, foi perdendo o tom “burtoniano” de início e aos poucos foi se transformando em um festival colorido que contou até com a participação de Arnold Schwarzenegger (Mr. Freeze), Charada (Jim Carrey), Duas-Caras (Tommy Lee Jones) e os Batmans preguiçosos de Val Kilmer e George Clooney.

O filme dirigido por Burton foi a produção de maior bilheteria de 1989, faturou o Oscar de melhor direção de arte e fez Jack Nicholson gargalhar mais que o Coringa sob o efeito de óxido nitroso, já que o ator, além de roubar a cena, exigiu por contrato lucrar também com o rendimento da bilheteria.


É óbvio que, ao ser visto hoje, o Batman de 1989 apresenta alguns problemas que não chegam a estragar a obra, tais como alguns personagens mal aproveitados (o ator Jack Palance, por exemplo, entra mudo e sai calado) e cenas de ação um tanto desengonçadas (mas ainda assim mais compreensíveis que as epilépticas cenas de luta filmadas pelo Nolan na mais recente trilogia do paladino de Gotham). 

Apesar desses detalhes ínfimos, a semente plantada pelo vigilante interpretado por Michael Keaton foi o incentivo para o surgimento de uma animação fodaralhaça do Batman, lançada em 1992, bem como catapultou de vez a carreira do Tim Burton e, não duvido nada, deu sinal verde para os hoje tão comuns filmes de super heróis.


Previous
Next Post »