Edgar Wright e o problemático Homem-Formiga


Ainda que o personagem possua uma estreita relação até mesmo na origem dos Vingadores, o Homem-Formiga é praticamente um super herói lado B dentro do panteão Marvel. Ele não é tão celebrado como Wolverine, Daredevil, Capitão América, Hulk e muitos outros. Se facilitar, acredito que até o mais pé-de-chinelo aluno do professor Xavier tenha mais fãs que o Homem-Formiga


Por isso, sem a pressão de carregar o peso da fama nas costas, eu até acredito que um filme protagonizado por esse (quase) desconhecido herói tenha tudo para pegar o público de surpresa e seja bem divertido. O problema é que, com o perdão do infame trocadilho, a produção do referido longa-metragem está andando a passos de… formiga!

O diretor britânico Edgar Wright, que estava desde de 2006 dentro do projeto, recentemente abandonou o barco. 

Edgar Wright

Para piorar, o substituto, Adam Mckay, também declarou que não irá mais sentar na cadeira de diretor. Apesar do longa-metragem estar à deriva, o Marvel Studios bate no peito, chama para si a responsabilidade e ainda mantém a data de estreia: dia 17 de julho de 2015.

O Variety divulgou que Edgar Wright largou o projeto a partir do momento em que o estúdio interferiu demais na concepção do roteiro, que estava a ser redigido por ele e por Joe Cornish.

Wright declarou em entrevistas que almejava fazer um filme dentro do subgênero assalto, onde o protagonista realmente se torna o herói após roubar o uniforme do Homem-Formiga original.
Pois bem, eu não tenho bola de cristal e nem visão além do alcance, mas confesso que me deu uma vontade inefável de dar uma averiguada nesse roteiro só para ver onde o texto pisou nos calos da Marvel


Conhecendo Edgar Wright de outros carnavais, suponho que o cineasta tivesse a intenção de se aventurar no gênero assalto justamente para romper com aquela estrutura típica dos filmes que abordam a origem de super heróis. Reparem que nesses filmes ditos de origem a narrativa é construída como se os roteiristas seguissem uma espécie de manual de instruções dos filmes com personagens super poderosos. Ou seja, a chamada jornada do herói, proposta por Joseph Campbell, é seguida à risca.

Em tais filmes inicialmente é mostrado o protagonista desafiado a se tornar herói. Após uma ou duas crises existenciais repentinas, o indivíduo mal decide se quer ou não aceitar esse fardo e, antes de ocorrerem os atos finais, ele já deve aparecer vestido com trajes multicoloridos e realizando cenas de ação inimagináveis para o cidadão comum.

Pois bem, talvez Wright estava a querer trilhar caminhos diferentes. Talvez no roteiro do diretor inglês o Homem-Formiga iria se reconhecer como um herói apenas nos atos finais, enquanto os atos iniciais iriam mostrar o protagonista sendo construído gradativamente, envolvido primeiramente nos planos do assalto para apenas bem mais tarde assumir a alcunha de herói e se deparar com algum super vilão. E o pior: talvez o roteiro nem apresentasse um vilão da maneira como o formato exige.


Além disso, o diretor da trilogia Cornetto já mostrou que sabe costurar diálogos onde os coadjuvantes possuem a mesma importância dos protagonistas. Tal característica é inconcebível para um filme em que o super herói deve ser a estrela do show. Ainda mais um herói como o Homem-Formiga, que muitas vezes é vilipendiado até por quem acompanha história em quadrinhos.

Outra característica do cineasta é conduzir a narrativa adotando mais de uma camada de interpretação. Por exemplo, Shaun of the Dead é um filme de amor disfarçado de filme de zumbi. 


O Hot Fuzz é um filme de amigos disfarçado de filme policial. E por fim, The World’s End é a história de um bando de pinguços disfarçada de filme do John Carpenter


Até o divertidíssimo Scott Pilgrim contra o Mundo, que é uma asneira video-clíptica repleta de surrealismo e absurdos, podemos aferir que contém uma nostálgica história de amadurecimento disfarçada de filme imbeciloide. 

Scott Pilgrim

E partindo desse raciocínio, se o Homem-Formiga de Edgar Wright fosse apenas a história de um ladrão disfarçada de filme de super herói? Será que a Marvel Studios iria se dar ao luxo de fugir do seu manual prático de instruções e mexer no time que está ganhando?

Pois bem, vale lembrar que a Casa das Ideias deu liberdade para o diretor Shane Black mostrar Tony Stark em Iron Man 3 praticamente sem armadura o filme inteiro. Em determinadas cenas, inclusive, o invencível Homem de Ferro teve que ser virar tal qual um McGyver longe dos seus aparatos tecnológicos de última geração. Ou seja, a terceira sequência do milionário Stark é um filme de aventura típico dos anos 80, mas disfarçado de filme de super herói. O resultado até que foi bem nas bilheterias, mas por outro lado, não passou pelo escrutínio dos fãs mais ardorosos. Tanto que os leitores de HQs, no dia seguinte, ficaram tão enraivecidos que se pudessem colocariam Shane Black em um foguete rumo a lua Titã governada por Thanos.

Edgar Wright e Joe Cornish tiveram cabelo no peito para baterem o pé e exigirem o roteiro do jeito deles. A Marvel não curtiu e, ao que tudo indica, terá até o ano que vem para chamar algum funcionário público que seja de confiança. Há o diretor Paul W.S. Anderson, há também o Brian Singer ou, em caso de emergência, poderão empurrar a obra até para o fanfarrão Uwe Boll. O Zack Snyder não pode, pois agora ele é um oficial da “Sala da Justiça”, se é que vocês me entendem.

Por isso, o super herói do diretor britânico entra na lista dos filmes que poderiam ter acontecido, ao lado do Spider-Man do Albert Pyun, do Superman do Tim Burton e do Capitão América do Michael Winner.

É óbvio que, tendo Wright com a bunda na cadeira de diretor, os mais pessimistas temiam que em alguma cena aparecesse o Simon Pegg com um sorvete Cornetto em mãos, ou aparecesse em cena alguma liberdade poética no roteiro que provocasse uma turbulência no universo cronológico que a Marvel consolidou por meio do filme dos Vingadores. Eu, por outro lado, acredito mesmo que o longa-metragem teria apenas o típico humor do diretor inglês, porém, temperado com uma história de assaltante disfarçada de aventura de super herói.

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