Expresso do Amanhã (2013)



Eu já manifestei aqui no Satélite meu fascínio pelo cinema de ação sul-coreano (ainda que o rótulo cinema de “ação” na maior parte das vezes seja limitado e pouco adequado, mas eu utilizo mais pra acelerar o diálogo).
O filme em questão nessa postagem, uma adaptação da graphic novel francesa em quadrinhos “Le Transperceneige” de 1982, de autoria de Jacques Lob, Jean-Marc Rochette, e Benjamin Legrand, quem sabe pareça nada ter a ver com o parágrafo acima, só que o nome do diretor Bong Joon-Ho vinculado à obra vai subverter bastante os pré-requisitos do sci-fi, e aí que se encontra o diferencial que justifica eu falar em cinema coreano.


Além do diretor (em seu primeiro filme falado em inglês), “Expresso do Amanhã” conta com o mesmo Chan-Wook Park de Oldboy, e Sede de Sangue, atuando dessa vez na função de produtor.
Sei bem que um longa-metragem é definido por muito mais do que o nome do diretor e produtor, mas qualquer um que conhece o trabalho desses caras acima vai perceber que dessa vez a identidade da filmografia deles se sobressaiu.

A própria apresentação (que faz lembrar o excelente “Pontypool”) já entrega uma carga de tensão tão inquietante que poderia ser muito bem o trailer do filme.
Acontece que, nesse futuro apresentado no roteiro, os governos esclarecidos desta mesma superfície terrestre em que você habita põem em prática uma manobra pra acabar com o efeito estufa. Mas conforme qualquer um bem sabe, algo sai errado, e tudo morre.
Tudo exceto um reduzido e relativamente quase nada contingente de sobreviventes, que embarca em um trem que é além de um personagem por si só, dono de uma história particular que vai sendo revelada durante as horas que o protagonista Curtis (Chris Evans) dispõe pra tentar modificar o status quo vigente.
Ele é um dos sobreviventes da classe menos favorecida no veículo, que a seu modo é uma representação crua, violenta, e sem concessões das desigualdades sociais que a mídia em geral se esforça pra banalizar.

Apesar de rápida a apresentação dele, e de outros personagens importantes interpretados por Jamie Bell, John Hurt, e Octavia Spencer (a mesma de "Fruitvale Station", e uma baita atriz seguidamente menosprezada pelo público em geral), os desdobramentos da história vão estabelecendo a personalidade deles embasadas no pesadelo em movimento nos trilhos que eles vivenciaram pra ainda constar na lista de sobreviventes.
Apesar de ser um longa-metragem firmado especialmente no roteiro, e no estilo ágil da direção do cineasta, as atuações de Kang Ho Song (que já havia colaborado com o diretor em “Memórias de Um Assassino”, e “O Hospedeiro”), Ah-Sung Ko, e Tilda Swinton encontram espaço pra ficar na lembrança na trama que não para nunca de trazer novas informações, cada vez mais compartilhando com o espectador o desconforto que é (sobre)viver sob o controle das classes proclamadas superiores nessa sociedade.



Claro que vale aquele lembrete de que os estilos e gêneros cinematográficos estarão em constante colisão, pra que alguém não torça o nariz pra algo que é característico no cinema sul-coreano, e que Joon-Ho desempenha com maestria mais uma vez, tal qual foi em sua filmografia anterior.
Então, mesmo que haja momentos de humor em que o cineasta brinca com o quase-caricatural, os momentos sombrios coexistem, sendo que o próprio Snowpiercer é uma presença opressora o tempo todo, seja nas cenas de ação limitadas pelo espaço confinado, ou quando à medida que conhecemos a realidade de outros vagões (ou classes) e novas cores tomam a tela, o contraste com a sub-vida dos habitantes da parte final do trem pareça ainda mais miserável.
Além disso tudo, o roteiro escrito por Bong Joon-Ho e Kelly Masterson é impiedoso.
Nada nem ninguém está imune pela função que desempenha no filme ou por quem seu personagem seja, por mais que pareça livre por causa dos tabus que o cinema criou.
A morte no Snowpiercer é mera questão de estatística, tal qual costuma ser nos noticiários do nosso mundo presente.



Conferir “Expresso do Amanhã”, lançado no mesmo 2013 em que adaptações de quadrinhos ganham rótulo de “Cult” só porque têm “uns efeitos nas cenas de ação bem massa, até.”, ainda que venham acompanhados de “só achei a história meio fraca, e tem umas cagadas no roteiro”, representa um fôlego a mais na esperança de que o agora sub-gênero cinematográfico “cinema de HQs” não caia de vez na MichaelBayzice.
Também é uma ótima pedida pra quem acha que um sci-fi precisa ser mais do que dinheiro bem gasto em CG e direção de arte, únicas qualidades vistas em Prometheus.

Não é um filme que vai te fazer se sentir feliz com a humanidade quando os créditos finais aparecerem.
É só ficção científica fazendo o que a ficção científica faz de melhor: refletir os erros de agora na distopia de amanhã.



Quanto vale:


O Expresso do Amanhã. Recomendado para: explodir sua mente, e ao mesmo tempo causar asco e desculpas esfarrapadas nos mais sensíveis em busca de histórias de mera redenção hollywoodiana.

O Expresso do Amanhã
(Snowpiercer)
Direção: Bong Joon-Ho
Duração: 126 minutos
Ano de produção: 2013
Gênero: Ficção Científica/Ação

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