Interestelar (2014)


Chego a acreditar que a raça humana pode ser dividida entre dois tipos de pessoas: aqueles que odeiam Christopher Nolan e aqueles que o idolatram de paixão. Mas aos poucos, vejo também surgir, como se fossem uma mutação genética, seres mais racionais, que conseguem ficar no meio termo e encaram Nolan como um artista que às vezes acerta, outras vezes erra. 

Eu, particularmente, concluo que sou esse mutante, pois acho que a trilogia Batman intercala momentos excelentes e momentos constrangedores. Considero também O Grande Truque um ótimo trabalho, por outro lado vejo o filme A Origem como uma ideia assaz promissora, mas que se perdeu em um roteiro verborrágico e demasiadamente explicativo. Enfim, na minha reles opinião, Nolan é sim um bom cineasta, mas também comete equívocos e de vez em quando caga fora do penico. E esse Interestelar eu ponho na lista dos erros, pois na boa, venderam para mim o novo 2001 - Uma Odisseia no Espaço, mas acabei por comprar um dramalhão espetaculoso, uma espécie de história do Stephen Hawking caso o cientista fosse roteirista de novelão mexicano.

Na trama, em um futuro não especificado, percebemos que o nosso planeta consumiu boa parte dos seus recursos naturais. Nesse cenário, a fome aumenta e a única cultura por enquanto vigente é a do milho. Diante desse percalço e cientes de que a Terra está com prazo de validade praticamente vencido, um grupo de astronautas recebe a missão de detectar possíveis planetas que possam ser o novo habitat da população mundial, possibilitando assim a perpetuação da nossa raça.


Para isso, o astronauta Cooper (Matthew McConaughey), que há tempos exercia a função de fazendeiro, é então compelido a retornar ao trabalho de astronauta quando é designado para participar de tão audaciosa expedição. É óbvio que o protagonista aceita salvar o mundo, contudo, ele também sofre ao saber da possibilidade de não mais retornar para os seus filhos.

McConaughey entrega uma atuação convincente, ao contrário da sua colega Anne Hattaway, que eu não considero má atriz, mas que infelizmente nesse trabalho precisou quase que parir uma bigorna ao se esforçar para tornar convincente a sua Amelia Brand, uma cientista sentimentaloide que acredita mais no poder do amor do que na força da razão.

Michael Caine, que também já se tornou hours concours em filmes do referido diretor, é completamente desperdiçado no papel do físico Dr. Brand, pai de Amelia. Infelizmente do mesmo mal padece o excelente ator John Litgow, que no papel de sogro do protagonista, está tão relevante quanto uma buzina em avião.


Para a missão de buscar um novo lar para a raça humana, Cooper e os seus amigos precisam analisar três planetas que possuem potencial de serem a nova Terra. O grande empecilho é que esse trio de mundos se localiza em uma galáxia muito, mas muito distante. Para chegar até esses locais, os viajantes devem utilizar uma espécie de atalho conhecido vulgarmente como buraco de minhoca. E é nesse aspecto que o roteiro soca goela abaixo uma enxurrada de informações excessivamente didáticas e envolvendo teorias acerca de buracos negros, astrofísica e passagens interdimensionais.

Boa parte do contexto científico de Interestelar é oriundo dos estudos efetuados pelo teórico norte-americano Kip Thorne, conhecido por ser um cientista que avançou nas teorias de Albert Einstein sobre relatividade e gravidade. Além disso, Thorne também colabora com filmes sci-fi. Ele, por exemplo, esteve envolvido no longa-metragem Contato, dirigido por Robert Zemeckis e baseado em uma obra literária de do falecido cientista Carl Sagan.


Pois bem, Thorne é um estudioso do tema buraco de minhoca. Um buraco de minhoca é, teoricamente, uma ruptura no espaço-tempo (local onde todos os acontecimentos transcorrem). Essa ruptura criaria um túnel ligando dois pontos afastados do universo. Vale lembrar que na galáxia, qualquer pequena distância é medida em anos-luz, levando e conta que um ano-luz equivale a 9,46 trilhões de quilômetros. Para se ter uma ideia prática da utilidade de um buraco de minhoca, tomemos como exemplo o planeta Kepler, que existe na vida real. Esse planeta, de acordo com cientistas, é capaz de suportar vida multicelular. Kepler está localizado a 500 anos-luz de nós. Se alguém almeja chegar até lá, viajando com a tecnologia atual, que usa 1% da velocidade da luz, essa pessoa levaria 50.000 anos, que equivale 25 vezes toda a Era Cristã. Para evitar tanta demora, o buraco de minhoca seria a solução para encurtar essas viagens longas. Sem essa ruptura  no tecido do universo, que aproxima dois pontos longínquos, não dá nem para cogitar a chegada em algum planeta potencialmente habitável.


Esse argumento, que por sinal é deveras interessante, é o que serve de base para a aventura filosófica de Christopher Nolan, mas que infelizmente, foi executado de tal maneira que causa mais alguns risos involuntários do que propriamente reflexão, principalmente quando coloca no meio disso tudo alguns conflitos sobre paternidade, amizade, amor e demais sentimentos. Ou seja, era evidente que o roteiro, como toda boa história que se preza, precisava sim ter esse lado humano, porém, nesse caso específico, a quantia foi mal dosada. As frases de efeito canastronas aliadas a doses excessivas de explicações didáticas tornaram Interestelar um híbrido de documentário da Discovery Channel com história de auto-ajuda. Para se ter uma ideia, nessa tentativa de equilibrar informação cabeçuda com emoção, o supracitado longa-metragem Contato, lançado em 1997, ao meu ver teve mais êxito.


E sobre o fato de ser o novo 2001. Bem, há sim referências ao clássico do Kubrick, assim como há referências a Carl Sagan, ao 3001 de Arthur C. Clarke, enfim, há ali um manancial enciclopédico de referências a obras sci-fi que ocasionará prazeres orgásmicos nos fãs do gênero, mas se regurgitar referências realmente salvasse um filme, então Kill Bill seria a coisa mais legal e fodaralhante do nosso (e de todos os possíveis) universos.

Mas verdade seja dita: Interestelar apresenta um visual impecável e é dotado de um profundo apuro técnico. Faltou para o roteiro, infelizmente, equilibrar melhor a articulação narrativa em seus (como de praxe em se tratando de Nolan) 169 minutos de projeção!

Recomendado para: Quem quer ver um Armagedom 2 só que sem aquela indefectível balada rock do Aerosmith.



Título: Interestelar
Direção: Christopher Nolan
Ano de Produção: 2014
Gênero: Drama/Ficção Científica
Duração: 169 minutos

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