Ninguém Pode Saber (2004)



Quem sabe tenha passado batido por muita gente.
Com certeza deve ter sido assim, quando um tabloide japonês noticiou o caso da família de crianças vivendo sozinhos por meses em um apartamento sem que a vizinhança tivesse conhecimento do fato, nos anos 80.
Do mesmo modo, "Ninguém Pode Saber" filme inspirado pela tal notícia ficou na periferia de interesse pra muito espectador.
É o tipo de história que não exerce aquele apelo comercial, mesmo pra quem gosta de ver filmes pra chorar, porque na teoria todo seu teor já é conhecido.
O diretor Hirokazu Koreeda, no entanto, não estava disposto a criar seu filme pra se encaixar no padrão do que é bom filme do Oscar, por causa de alguma atuação isolada, ou pela habilidade de catalisar lacrimação.



Na história, uma mulher (interpretada pela atriz You) chega ao apartamento novo junto com seu filho Akira (Yûya Yagira), apresenta o guri pros vizinhos, e demonstra ser muito cuidadosa com especialmente duas malas de sua bagagem, durante a mudança.
Delas saem dois de seus outros filhos, Yuki (Momoko Shimizu) e Shigeru (Hiei Kimura), que irão habitar o apartamento juntamente com eles, em total sigilo, e evitando até mesmo uma espiada pela sacada.
Além deles, existe uma quarta criança, Kyoko (Ayu Kitaura), que vem pra casa nova mais tarde, e que deve atender às mesmas regras, que apenas o responsável pelos irmãos, Akira, pode ser dispensado de seguir, por ser quem faz compras, paga contas, etc.
Os acontecimentos que vão levar à notícia do tabloide são retratados sem alarde, em uma progressão natural de fatos, sempre acompanhados pela câmera intimista de Koreeda, que enfoca em planos-detalhe prolongados alguns segundos a mais com inteligência.
Ele escolhe o caminho difícil, ao contar um drama sem o amparo dos momentos de choradeira, ou gritaria.
No roteiro, Akira e seus irmãos aprendem, erram, vivem a frustração do abandono, e tentam a seu modo encarar o abandono mantendo a certeza de que ele termina em breve.
No processo, nesse empurrão sem aviso rumo à maturidade, cada um deles vai percebendo o que a plateia também descobre a respeito do enredo, em que o que acontece é o que tem que acontecer, e as falas não surgem construídas conforme necessidades de atender o que o público anseia.



Nesse sentido, o diretor realiza um trabalho perfeito ao criar o envolvimento com os personagens, ainda que exista nas costas do personagem protagonista o maior peso, que na atuação do vencedor em Cannes Yûya Yagira só contribui pra que essa obra de arte suba mais alguns degraus na lista de grandes filmes inesperados.
Sem ficar jogando previsibilidades que muito poucas vezes conseguem compensar pela dramaticidade posterior, "Ninguém Pode Saber" também acerta na condução da trama sobre infância, crítica social, sobrevivência, e vários outros temas com a devida importância destacada, sem permitir que alguma se sobressaia ou pareça a moral da história escondida que é parte da mítica do dramalhão blockbuster.
Das verdades cruas que o filme exige aceitação do público, está a constatação de que não há pessoas boas ou ruins. São pessoas em seus conflitos diários, e não há espaço pra heroísmo. Se a situação permite, haverão boas ações, e caso o interesse assim faça julgar oportuno, haverá egoísmo.
No andamento desse cotidiano, o estilo compassivo de direção consegue prender o olhar do espectador na mais completa empatia com a vida alheia, e sem precisar de longas tomadas com música melosa pra tentar arrancar alguma lágrima.
Provavelmente muito pelo fato de ser uma história de crianças em uma constante tentativa por sobreviver por sua conta, o filme que acendeu que nem um letreiro na minha mente foi o também sensacional Grave of the Fireflies, ainda que no filme clássico do Isao Takahata as consequências objetivem a criação de uma obra muito diferente do pretendido por Koreeda.



Porém, ainda que o imprevisível do mundo real ecoe na tela, quem sabe o mais impressionante tenha sido a decisão mantida até o final de que esse longa-metragem não vai em algum momento ter o volume da sua trilha sonora aumentado pra assim arrancar do público a lágrima que garantiria a simpatia pelo seu caráter emocional.
"Ninguém pode Saber" não é um filme que precise disso.
Mais do que o previsto, que seria um filme pra chorar, "Ninguém Pode Saber" é um filme. Uma obra que ao contar a sua história deixa toda a amargura de uma situação que, até pela forma como acontece, não deixa espaço pra ficar se lamentando quando as crianças que a protagonizam não dispõem de nada, e de ninguém além deles mesmos pra tentar arrastar a vida por mais um dia.


Quanto vale:


Ninguém Pode Saber. Recomendado para: ser o drama que merece até mais aplausos por resistir à armadilha de tentar instigar lágrimas na plateia.

Ninguém Pode Saber
(Dare Mo Shiranai)
Direção: Hirokazu Koreeda
Duração: 141 minutos
Ano de produção: 2004
Gênero: Drama

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