Quem
sabe tenha passado batido por muita gente.
Com
certeza deve ter sido assim, quando um tabloide japonês noticiou o
caso da família de crianças vivendo sozinhos por meses em um
apartamento sem que a vizinhança tivesse conhecimento do fato, nos
anos 80.
Do
mesmo modo, "Ninguém
Pode Saber"
filme inspirado pela tal notícia ficou na periferia de interesse pra
muito espectador.
É
o tipo de história que não exerce aquele apelo comercial, mesmo pra
quem gosta de ver filmes pra chorar, porque na teoria todo seu teor
já é conhecido.
O
diretor Hirokazu
Koreeda,
no entanto, não estava disposto a criar seu filme pra se encaixar no
padrão do que é bom filme do Oscar, por causa de alguma atuação
isolada, ou pela habilidade de catalisar lacrimação.
Na
história, uma mulher (interpretada pela atriz You)
chega ao apartamento novo junto com seu filho Akira
(Yûya Yagira), apresenta o guri pros vizinhos, e demonstra ser
muito cuidadosa com especialmente duas malas de sua bagagem, durante
a mudança.
Delas
saem dois de seus outros filhos, Yuki (Momoko Shimizu) e
Shigeru (Hiei Kimura), que irão habitar o apartamento
juntamente com eles, em total sigilo, e evitando até mesmo uma
espiada pela sacada.
Além
deles, existe uma quarta criança, Kyoko (Ayu Kitaura), que vem pra casa nova mais tarde, e que deve
atender às mesmas regras, que apenas o responsável pelos irmãos,
Akira,
pode ser dispensado de seguir, por ser quem faz compras, paga contas,
etc.
Os
acontecimentos que vão levar à notícia do tabloide são retratados
sem alarde, em uma progressão natural de fatos, sempre acompanhados
pela câmera intimista de Koreeda,
que enfoca em planos-detalhe prolongados alguns segundos a mais com
inteligência.
Ele
escolhe o caminho difícil, ao contar um drama sem o amparo dos
momentos de choradeira, ou gritaria.
No
roteiro, Akira
e seus irmãos aprendem, erram, vivem a frustração do abandono, e
tentam a seu modo encarar o abandono mantendo a certeza de que ele
termina em breve.
No
processo, nesse empurrão sem aviso rumo à maturidade, cada um deles
vai percebendo o que a plateia também descobre a respeito do enredo,
em que o que acontece é o que tem que acontecer, e as falas não
surgem construídas conforme necessidades de atender o que o público
anseia.
Nesse
sentido, o diretor realiza um trabalho perfeito ao criar o
envolvimento com os personagens, ainda que exista nas costas do
personagem protagonista o maior peso, que na atuação do vencedor em
Cannes Yûya Yagira só contribui pra que essa obra de
arte suba mais alguns degraus na lista de grandes filmes inesperados.
Sem
ficar jogando previsibilidades que muito poucas vezes conseguem
compensar pela dramaticidade posterior, "Ninguém
Pode Saber"
também acerta na condução da trama sobre infância, crítica
social, sobrevivência, e vários outros temas com a devida
importância destacada, sem permitir que alguma se sobressaia ou
pareça a moral da história escondida que é parte da mítica do
dramalhão blockbuster.
Das
verdades cruas que o filme exige aceitação do público, está a
constatação de que não há pessoas boas ou ruins. São pessoas em
seus conflitos diários, e não há espaço pra heroísmo. Se a
situação permite, haverão boas ações, e caso o interesse assim
faça julgar oportuno, haverá egoísmo.
No
andamento desse cotidiano, o estilo compassivo de direção consegue
prender o olhar do espectador na mais completa empatia com a vida
alheia, e sem precisar de longas tomadas com música melosa pra
tentar arrancar alguma lágrima.
Provavelmente
muito pelo fato de ser uma história de crianças em uma constante
tentativa por sobreviver por sua conta, o filme que acendeu que nem
um letreiro na minha mente foi o também sensacional Grave
of the Fireflies,
ainda que no filme clássico do Isao Takahata
as consequências objetivem a criação de uma obra muito
diferente do pretendido por Koreeda.
"Ninguém
pode Saber"
não é um filme que precise disso.
Mais
do que o previsto, que seria um filme pra chorar, "Ninguém
Pode Saber"
é um filme. Uma obra que ao contar a sua história deixa toda a
amargura de uma situação que, até pela forma como acontece, não
deixa espaço pra ficar se lamentando quando as crianças que a
protagonizam não dispõem de nada, e de ninguém além deles mesmos
pra tentar arrastar a vida por mais um dia.
Ninguém
Pode Saber. Recomendado
para: ser o drama que merece até mais aplausos por resistir à armadilha de tentar instigar lágrimas na plateia.
Ninguém
Pode Saber
(Dare
Mo Shiranai)
Direção:
Hirokazu Koreeda
Duração:
141 minutos
Ano
de produção: 2004
Gênero:
Drama
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