O Regresso (2015)



Se no extremamente ambicioso "Birdman" o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu havia se mostrado um cineasta muito mais fora do comum do que se poderia supor, qualquer que fosse seu trabalho seguinte viria com a responsabilidade de comprovar ao grande público se ele era essa ousadia toda, ou se o seu oscarizado trabalho havia apenas de alguma forma agradado os fetiches da Academia.
"O Regresso" ter sido indicado não é surpresa.
A questão é: qual o algo a mais que ele apresenta?



Nesse filme de vingança e caçada inspirado em fatos, adaptado do livro "The Revenant: A Novel of Revenge" do Michael Punke, o diretor encontra espaço pra exercitar os planos longos que devem ter virado fichinha pra ele depois do plano-sequência de "Birdman", e isso torna várias sequências em belos recortes da trama intensa que se propõe a contar.
Nela, Leonardo DiCaprio é Hugh Glass, um explorador que viaja com seu filho Hawk (Forrest Goodluck) ditando os caminhos pra um grupo tentando esquivar de índios  e levando o maior punhado de peles de animais selvagens que puder.
No comando está o Capitão Andrew Henry (Doomhnall Gleeson, dos também indicados "Ex Machina", e "Star Wars: O Despertar da Força"), tendo ainda a antítese ambulante na forma de Fitzgerald (o Tom Hardy do amplamente indicado "Mad Max: Estrada da Fúria"), além do primo Eustáquio Will Poulter.
Logo cedo, tudo sai errado, e gente é morta em profusão, em uma sequência muito bem filmada que lembra o desembarque na Normandia de "O Resgate do Soldado Ryan" sob efeito do rewind.
Até esse ponto, ainda que muito seguro em sua atuação, Leonardo DiCaprio é apenas a convicção de quem almeja sobreviver em uma situação de perigo.
O que torna o filme realmente imprevisível é um ponto de virada que vem logo a seguir, e faz pensar de que forma o personagem dele vai conseguir chegar vivo ao final da metragem.
Iñárritu vai contando com uma desavergonhada despreocupação com a preservação física de seu protagonista, que logo é um farrapo de gente literal por quem só resta lamentar.
Equilibrado entre o frenético e o que poderia também ser um dramalhão, o diretor brinca com a situação movendo os olhares dos envolvidos pra formas de sobrevivência possíveis, enquanto mantém o longa-metragem uma incessante sucessão de fatos que justificam a Hugh Glass permanecer vivo, e ansiar por um acerto de contas.
O aspecto sujo de tudo à volta carrega o filme de uma atmosfera desconfortável de exposição de um mundo em que a injustiça e a degradação existem pra todos, pessoas mais nobres ou menos. Não importa.



Ao longo disso, o roteiro faz questão de acrescentar cenas emblemáticas pra revelar o que mais vai sendo abordado no filme além das formas de flagelo às quais seus personagens estão sujeitos nas montanhas impiedosas em que transitam.
Paternidade e selvageria convivem e são retratadas tanto em relações humanas, quanto de animais nativos da região, causando um choque ao evidenciar a crueza da atitude dos arautos de costumes ditos civilizados quando confrontados com uma continuada sessão de tortura em forma de andança na floresta congelada.
Mas apesar de todos estarem aptos a sofrer as lacerações, suportar o frio descomunal, e eventualmente morrer, ninguém se ferra mais que o protagonista.
Ele seguidamente vai ser arrebentado e ter que lidar com isso, se empurrando à frente pro próximo momento que a trama reserva pra piorar as coisas.
Enquanto isso torna a história ainda mais intensa, também cria elementos complicadores, principalmente quanto ao envolvimento com um enredo que a partir de certo ponto pede cada vez mais suspensão de descrença quanto às condições físicas do personagem do Leonardo DiCaprio.
Isso não impede que a soma de qualidades técnicas, atuação absurda do protagonista, e desenrolar de eventos prendam a atenção na maior parte. Apenas diminui esse efeito um pouco. Sem entrar nos méritos da recuperação do personagem parecer extremamente rápida tendo em vista as injúrias por ele sofridas, vale lembrar que o relato pode se tornar mais ou menos convincente de acordo com os recursos empregados pelo diretor (e roteirista junto com Mark L. Smith). Sendo uma sequência de fatos fora do habitual, a maneira de encarar o ocorrido pode facilitar ou dificultar a imersão da plateia ao que assiste.
Apesar disso, trilha sonora, direção de fotografia, e edição adicionam intensidade à trama, desta que é com certeza uma produção que merece figurar nas listas de indicados a melhores de 2015.
Porém, é mesmo o ator quem surpreende frente a tantas oportunidades de extrapolar a intensidade da atuação da cena anterior e aproveitando cada uma delas. Seja nas ocasiões que flertam com o gore, ou no que pede maior dramaticidade da parte dele, o longa-metragem fica à mercê do que o moribundo Hugh Glass ainda ousar fazer estando cada vez menos completo (psicologicamente e fisicamente falando), e que é traduzido além do visceral pelo ator que rouba o filme para si, no embate ferrenho contra a natureza e qualquer humano disposto a deixá-lo pra trás.


Mesmo quando a história se dirige pra algo bem menos ousado em narrativa e soluções apresentadas, com inclusive um maior índice de coincidências por cena, o personagem vive um conflito que testa o espectador junto com ele, enquanto enfrenta inimigos que vão maiores do que os golpes desferidos contra ele. Afinal, a paisagem remota é o nêmesis implacável contra ele e todos os demais, e que é muito bem utilizado no filme.
Clamando bem menos pelo status cult dessa vez do que em Birdman, o trabalho do Alejándro G. Iñárritu é um baita de um filme de vingança, com ação de trincar os dentes, e cenas inspirando desconforto na plateia.
Uma exposição do que de pior reside no ser humano em forma de filme de ação.


Quanto vale:



O Regresso. Recomendado para: testar os limites do protagonista, e do espectador que embarcar nessa jornada.

O Regresso
(The Revenant)
Direção: Alejandro González Iñárritu
Duração: 156 minutos
Ano de produção: 2015
Gênero: Ação/Thriller 

Confere NESSE LINK a crítica dos outros indicados ao Oscar 2016.

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